Pular para o conteúdo principal

7 vidas do Jornalismo

OTAVIO FRIAS FILHO
Diretor de Redação da Folha de S. Paulo
 
Jornalistas costumam ser céticos, para não dizer pessimistas. Por dever de ofício, estão acostumados a duvidar das aparências dos fatos, a desconfiar do que dizem as autoridades, a focalizar o que é problemático, falho ou ameaçador.

De tempos em tempos, o assim chamado "negativismo" da imprensa se volta contra ela própria. Foi assim sempre que o advento de mudanças tecnológicas veio afetar o modo de transmissão de informações: o telégrafo, o cinema, o rádio, a TV e agora a internet.
A desorganização do modelo de negócios anterior parece anunciar o apocalipse.

Ninguém contesta, é claro, que a evolução dos meios eletrônicos democratizou o acesso às informações. Nem que a conexão em rede fez surgir uma multiplicidade de formatos jornalísticos, estimulando a diversidade da oferta.

Mas muito desse novo jornalismo tem qualidade discutível, quando não é produto de mera pirataria. Os blogs e o jornalismo cidadão parecem oportunidades promissoras, mas quase sempre seu alcance fica limitado, seja em termos de recursos ou abrangência, seja porque expressam visões demasiado particulares e engajadas.

Para piorar, o jornalismo que emerge está eivado de entretenimento, culto à celebridade, inconsequência.

Como diz o magnata da mídia Rupert Murdoch, em nenhum lugar se tem certeza quanto ao fim do bom jornalismo como nas Redações, onde às vezes o evento tantas vezes prometido é celebrado com deleite masoquista. E comemorado pelo governo qualquer governo.

Tais preocupações, mesmo se exageradas, não são descabidas. Durante décadas, o jornalismo clássico, dito de qualidade que cultiva compromissos com a exatidão do que publica, com a relevância coletiva dos temas que aborda, com a manutenção do debate público foi sustentado por um modelo econômico hoje em risco.

Talvez jornais, revistas e livros impressos venham a desaparecer, talvez não. O papel impresso tem o carisma da credibilidade e da duração. A fotografia não suprimiu as artes plásticas, nem a TV liquidou o cinema, que não havia dado cabo da literatura ou do teatro.

Mas é pouco provável que o jornalismo de qualidade, tal como definido acima, desapareça da face da terra. Por pelo menos três razões.

A absorção de bens culturais é elástica. A quantidade de refeições, roupas ou utensílios que se pode consumir é restrita, mas a aptidão para processar informações não tem limite conhecido.

Conforme mais pessoas imergem no oceano de dados e versões que giram pela rede, maior a demanda por um veículo capaz de apurar melhor, selecionar, resumir, analisar e hierarquizar. Esse veículo, no papel ou na tela, se chama jornal.

Nunca na história humana se escreveu e se leu tanto. Um novo ambiente que é o caldo de cultura ideal para formar, com o tempo, leitores cada vez mais exigentes, mais instruídos, mais críticos. Quem sabe nunca venham a se tornar maioria, mas seu número não vai diminuir, vai aumentar.

Todo produto custa o trabalho e o tempo investidos em sua preparação. A produção do jornalismo gratuito, por isso mesmo, custa pouco. Um jornalismo de qualidade é dispendioso. Continuará a valer seu preço para aquela parcela crescente de pessoas interessadas em saber mais e melhor. A própria demanda deverá cristalizar um modelo de negócios que o impulsione.

Mas, para tanto, é preciso ter a humildade de aprender. Reconhecer que os jornais são muitas vezes cansativos, previsíveis, prolixos, distantes, redundantes, parciais cifrados para o leigo e superficiais para o especialista. Será preciso, ao mesmo tempo, desejo sincero de melhorar, experimentar, arriscar.

Com a reformulação implantada hoje, este jornal tenta dar mais um passo nessa direção.

  • Texto originalmente publicado no caderno especial sobre a nova reformulação visual e de conteúdo do maior jornal do país e disponível na Folha.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Erotização da música influi na precocidade sexual da criança

É comum vermos crianças cada vez mais novas cantando e dançando ao som de refrões carregados de sexualidade, utilizando roupas e calçados impróprios para essa fase. As músicas erotizadas se tornam febre entre meninos e meninas em todo o país, mesmo sem muitas vezes terem conhecimento do que estejam ouvindo ou dançando. Mas qual a influência dessas músicas no desenvolvimento da criança? De que modo a letra de uma canção pode influenciar o comportamento infantil? Para a psicóloga Aline Maciel, músicas de cunho apelativo com letras que tratem de sexo estimulam a iniciação sexual precoce entre meninos e meninas. Segundo ela, “músicas com uma carga sexual muito forte aliadas a coreografias sensuais fazem com que as cria nças tenham acesso a elementos que não são adequados a sua faixa etária, induzindo comportamentos inadequados”. O artigo A música e o Desenvolvimento da Criança, de autoria da Doutora em Educação Monique Andries Nogueira, atesta que a música tem um papel importante nos aspec

Verão Sergipe 2011 só na Caueira

Foto: Alejandro Zambrana A edição 2011 do Verão Sergipe não ocorrerá em etapas. No próximo ano apenas a Praia da Caueira, em Itaporanga d’Ajuda, receberá o evento. Será nos dias 4 e 5 de fevereiro. Por conta das dificuldades financeiras que o Estado enfrenta e pela obra de implantação da Orla na Praia da Atalaia Nova, a programação de 2011 não ocorrerá em vários municipios, como nos anos anteriores. Neste 2010, por exemplo, o Verão Sergipe foi realizado na Caueira, em Laranjeiras e na Barra dos Coqueiros. Antes, em 2009, ele também passou por Pirambu. A secretária de Estado da Cultura, Eloísa Galdino, afirma que o evento já é marca consolidada para a cultura e o turismo no Estado, por isso, mesmo com as dificuldades financeiras, o Governo de Sergipe não poderia deixar de realizar a festa. “Na sua terceira edição, o evento cresceu, ganhou contornos mais culturais e atraiu multidões por todos os lugares pelos quais passou. Infelizmente este ano, por conta de diversos fatores não p

Lambe-sujo e Caboclinhos: a cultura viva

A força de uma cultura se revela na capacidade de agregar, envolver e orgulhar. Em Laranjeiras, isso se concretiza durante a “Festa do Lambe-Sujo”, folguedo sergipano encenado todos os anos no 2º domingo de outubro. No folguedo, os negros (lambe-sujos) lutam contra a tentativa dos índios (caboclinhos) de destruírem os quilombos. A partir das imagens captadas pela fotojornalista Ana Lícia Menezes é possível perceber o quão forte é a cultura local e a crença no folguedo. Carregado de simbolismo, o folguedo envolve crianças, jovens e adultos, que se apossam da história da terra para se divertir, se alegrar e manter viva a cultura. Logo cedo, os lambe-sujos se espalham pela cidade, desde a entrada até a praça central de Laranjeiras. Assim, demarcam território e mostram que estão prontos para o combate. Em maioria, os lambe-sujos também ocupam a área próxima à igreja, onde recebem a benção do padre, antes de iniciar os embates. Fortalecidos pela oração e crentes em sua fé, os l