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Pedofilia, Igreja Católica e a incapacidade de lidar com o problema

Falar em Igreja Católica hoje é fazer uma associação automática aos muitos casos de pedofilia que se tornam públicos a cada dia. Não só no Brasil e não restritas à Europa, as denúncias de padres que praticam atos sexuais com crianças e adolescentes surgem em todos os lugares do mundo. Prato cheio para a imprensa, o assunto tem tomado as manchetes de jornais e sites e lotado o noticiário da TV e os programas investigativos.

Para além da avaliação dessa cobertura e da abordagem dos meios de comunicação, duas reportagens, em especial, chamaram minha atenção nos últimos dias. Ambas da Folha de São Paulo, as matérias – uma em formato de entrevista e a outra como artigo – trazem opiniões bem interessantes de dois especialistas no tema.

No dia 11 de abril de 2010, o caderno “Mais” trouxe o texto “De má fé”, de John Cornwell, que afirma que os escândalos de pedofilia ameaçam se transformar na “mais grave crise na história moderna”. Já no último dia 19, a “Entrevista da 2ª” dialoga com jornalista John Allen Jr., que foi responsável pela biografia do papa Bento 16, quando ele ainda era o cardeal Ratzinger. Para Allen Jr., a “Santa Sé é inepta ao tratar de escândalos”. Abaixo subscrevo os trechos que considero mais significativos das duas reportagens.

“O escândalo dos padres pedófilos é um de uma série de sintomas de uma crise que inclui critérios de recrutamento inadequados, triagem inexperiente e leiga, formação questionável nos seminários e o perigo de definir o sacerdócio em termos de exaltação espiritual. O sacerdócio celibatário católico atrai muitos homens que têm vocações autênticas. Pelo mesmo motivo, (...) também pode atrair homens com problemas sexuais, sociais e psicologicamente não resolvidos.” (John Cornwell)

“A rotina regulada dos seminários, com suas preocupações devocionais e uma vida comunitária agradável, totalmente supervisionada, é uma preparação irreal para a vida sem supervisão na solidão gregária experimentada por muitos padres paroquianos, que vivem sós, sem o apoio de um relacionamento significativo.” (John Cornwell)

“Quando me perguntam sobre a estratégia de comunicação do Vaticano, digo que, assim que eu vir algum sinal de sua existência, eu comentarei. A tática deles para lidar com a crise piorou tudo significativamente. [Veja] os comentários públicos que têm sido feitos por outras autoridades eclesiásticas que parecem ter a tendência de meter os pés pelas mãos. Recentemente, [o papa Bento 16] não tem falado muito, e isso é parte do problema: deixar os outros falarem por ele.” (John Allen Jr.)

“É completa a inépcia do Vaticano em relação à comunicação. Pois este papa é a melhor história que eles têm para contar sobre o combate aos abusos sexuais, e deixaram que ele passasse a ser definido como símbolo do problema. Se dependesse de mim, eles [o Vaticano] teriam promovido entrevistas coletivas a cada seis meses só para falar de quantos casos foram levados ao Vaticano e o que foi feito a respeito, o que aconteceu com as reformas que Ratzinger iniciou. Por que eles não fizeram é um mistério.” (John Allen Jr.)

Os dois especialistas, a meu ver, se fundem ao afirmarem que a culpa do que ocorre hoje está na incapacidade do Vaticano e de seus dirigentes em lidar com o problema. E isso acontece tanto na formação dos padres como na comunicação com a sociedade. Antes de ler a entrevista do John Allen Jr. eu não tinha a mínima ideia, por exemplo, de que o papa Bento 16 foi um dos que mais se dispôs a enfrentar o problema dos padres abusadores.

Ou seja, a Igreja convive com esta crise por não saber lidar com ela e pela incapacidade de rever os seus conceitos e revisitar as formas de escolha de novos clérigos, como defende John Cornwell. A tendência é que os casos continuem surgindo, a Igreja continue incapaz de lidar com a problemática ou ainda – o que é pior – coloque a culpa em outras questões, como fez recentemente ao dizer que a homossexualidade é a culpada pela pedofilia.

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